O
carro era uma inovação em termos de engenharia e design, e polarizou as
atenções dos visitantes, que se aglomeravam ao seu redor. As portas no estilo Gullwing
(asa-de-gaivota) remetiam ao clássico 300 SL de 1955, e não poucas pessoas se
perguntavam se a Mercedes planejava um digno sucessor do 300 SL para os
admiradores dos requintados carros com a estrela de três pontas no capô.
Na
primavera de 1970, um C111 com seu design cativante, e detalhes mais refinados
fez sua aparição no Salão do Automóvel de Genebra, levando vários interessados
a enviar cheques em branco para Stuttgart, para garantir um deles na sua
garagem.
No
entanto, a Mercedes não tinha planos para produção em série do C111, mas também
não iria desenvolver um projeto somente para exibição em Showrooms. O carro
podia ser visto como uma evolução dos antigos SL (Sport Light) da década de
1950, mas não era um protótipo para um novo SL dos anos 1970: o C111 era um
veículo experimental; uma máquina de laboratório destinada, entre outras
coisas, para testar novos materiais e tecnologias automotivas, visando a sua
aplicabilidade nos modelos de linha. A carroceria era em material plástico, reforçada
com fibra de vidro, acoplada a um chassi em aço; e o motor era um Wankel, de
pistões rotativos, criado pelo engenheiro Felix Wankel.
O carisma das portas
Gullwing
O
design do C111 que mais chamou atenção do público forma as portas com a
abertura por cima, conhecidas como “Gullwing”, ou “asa-de-gaivota”. Este
sistema apareceu no design do Mercedes-Benz 300 SL (W 194) que começou a
participar de corridas em 1952; e se tornou uma marca registrada deste modelo
quando o carro derivado para as ruas (W 198/I) foi colocado à venda. Entre 1954
e 1957, 1400 unidades foram fabricadas. Décadas depois, a Mercedes aplicou a
mesma solução nos C112 apresentado no IAA em 1991 e nos modernos SLS de 2010.
Em
novembro de 1969, Ron Wakefield, escrevendo na revista “Road & Track”, comparou
diretamente o C111 com os carros esportivos italianos. “Durante a minha
primeira volta, fiquei imediatamente impressionado com a suavidade da unidade
de potência no interior do carro. Ele era muito mais suave do que um 12
cilindros do Lamborghini Miura, embora não tão grave com um Ford V8 do De Tomaso Mangusta.
Quando o motor subia de rotação, parecia um motor de motocicleta, mas
tracionando tão suavemente que parecia muito cedo para atingir as 7000 rpm”.
Em
abril de 1970, o piloto e jornalista Paul Frère escreveu na revista “Motor”
sobre sua experiência em dirigir o C111: “Este carro provê uma inigualável
combinação de conforto e maneabilidade, a última e definitiva palavra num carro
de corrida desta classe”.
No
final de 1969, a “Auto Motor & Sport” escreveu: “O funcionamento silencioso
do motor Wankel e a ausência quase total de ruído aerodinâmico nos faz errar na
avaliação da velocidade real. Quando você pensa que está fazendo 150 ou 160
km/h, um olhar no velocímetro lhe diz que você está de fato a uns 240 km/h.
Aliás, 7000 rpm em quarta marcha correspondem a 226 km/h”.
O motor Wankel
Motor Wankel: Compacto e muito potente. |
As
inclinações políticas de Wankel o levaram a crescer dentro do Partido
Nacional-Socialista, mas a ascensão de Hitler ao poder em 1933 interrompeu seu
envolvimento com o partido, e ele passou a projetar componentes de motor para
os militares durante a Segunda Guerra Mundial. No início dos anos 1950, Wankel
começou a desenvolver as primeiras versões do seu motor rotativo para pequenas
empresas de engenharia numa Alemanha que tentava se reconstruir.
O
motor Wankel usava um rotor triangular girando num eixo epicicloidal, numa
câmara de combustão em formato de um “8”. Como ele se movimentava sempre no
mesmo sentido, a vibração era mínima — quando comparado com o movimento
alternado dos pistões indo e vindo a cada rotação do virabrequim. O Wankel
tinha menos peças, era mais suave e mais compacto, com um potencial de potência
específica bem maior em relação aos motores de pistões do seu tempo.
Wankel
obteve a patente do seu projeto em 1929 denominado pelo código DKM 54 (sigla de
Drehkolbenmotor); começou o seu
desenvolvimento no início dos anos 1950 na NSU e completou seu protótipo em
1957. O segundo motor, conhecido pelo código KKM 57P (sigla de Kreiskolbenmotor), foi desenvolvido por
Hanns Dieter Paschke sem o conhecimento de Wankel, aperfeiçoando o conceito em
alguns detalhes. Ao tomar conhecimento do concorrente, Wankel teria dito: “Você
transformou meu cavalo de corrida em uma égua de arado”. A partir daí, a NSU (para
quem os dois trabalhavam) licenciou diversas companhias para fabricá-lo e é
este motor que equipa todos os veículos fabricados desde então com este tipo de
propulsor.
NSU Ro80 e o Mazda Cosmo |
Mazda RX-7 1981 e 1991 |
Digno de nota é que ela é a única fabricante fora da Europa e Estados Unidos a vencer nas 24 Horas de Le Mans, em 1991, com o Mazda 787B. Esse carro era equipado com um Wankel de quatro rotores (2.622 cc equivalente a 4.708 cc na conversão de medidas) e produzia 700 hp a 9000 rpm, levando a vitória depois de 362 voltas.
Devido aos problemas de controle de emissões Euro 5, a Mazda abandonou o uso do motor Wankel em 2012.
O Laboratório C111
A
Mercedes-Benz também havia feito alguns testes, através da Série KC, desde
1962, no entanto, necessitava ainda de muitos quilômetros rodados antes de
equipar um carro de produção normal.
Começando
o trabalho por volta de 1967, o C111 foi concebido para ser puramente um
laboratório de testes de novas tecnologias, um veículo experimental. Com o
design de Bruno Sacco, um futurístico estilo de um verdadeiro Dream Car, a
carroçaria de plástico reforçado com fibra-de-vidro, pintada de um laranja
brilhante, embalava o motor Wankel de três rotores e prometia uma performance à
altura da expectativa que as linhas agressivas prometiam.
C111 com três rotores |
O
C111-II de 1970, já tinha um motor Wankel com quatro rotores (DB M950 KE409),
que desenvolvia 350 cv, e levava o carro a 300 km/h. A aceleração de 0-100 km/h
atingiu 4,8 segundos. O motor do C111-I foi montado com dupla ignição, mas como
gerou alguns problemas, no C111-II de quatro rotores, voltou a ter apenas uma
vela de ignição. Ambos tinham injeção direta de combustível. Esta versão tinha
as suspensões revisadas, de modo a acomodar os largos pneus e alguns detalhes
da carroçaria melhorados em aerodinâmica.
O
departamento de desenvolvimento da Mercedes-Benz conseguiu resolver alguns
problemas de engenharia inerentes ao projeto do Motor Wankel; mas a notória
dificuldade de perfeita selagem das câmaras de combustão, o formato alongado das
mesmas e a variação da queima de combustível no interior do rotor, para que ele
continue seu movimento giratório, prejudicaram o consumo, pois a termodinâmica
em relação ao motor de êmbolos alternativos o tornava menos eficiente. Além
disso, o teor de poluentes nos gases de escape eram também muito mais altos do
que os motores convencionais.
As
vantagens do motor Wankel eram um funcionamento extremamente suave e o tamanho
muito mais compacto em relação a um motor de cilindrada equivalente. Isto não
foi suficiente para que a Mercedes-Benz prosseguisse com o projeto do motor
Wankel para o C111, e ele foi descontinuado em 1971.
Fazendo
um retrospecto, o Dr. Kurt Obländer, líder do setor de motores do projeto C111,
descreveu o motor Wankel da seguinte forma:
─
“O nosso motor de quatro rotores com injeção direta de gasolina representou o
ideal do que poderia ser alcançado com este conceito de motorização. O design
multi-rotor é chamado assim devido às entradas periféricas para os dutos de
admissão da mistura ar-gasolina e dos gases de escape. Fomos capazes de
resolver os difíceis problemas na refrigeração da unidade motriz com a
tecnologia. Mas o principal problema do conceito; a baixa eficiência
termodinâmica permaneceu. Devido às câmaras de combustão alongadas, não
exatamente compactas, a economia de combustível era pobre, resultando em alto
consumo e emissões de poluentes inaceitavelmente elevados. Estas desvantagens
eram inerentes, em princípio, à concepção do projeto. ”
Ensaios com o motor
Diesel
No
outono de 1973, um boicote dos países produtores de petróleo provocou a chamada
“crise do petróleo”, e o óleo bruto, até então uma mercadoria barata, tornou-se
um recurso precioso. Todos os departamentos de engenharia das montadoras
passaram a trabalhar febrilmente em novos motores e tecnologias para que os
equipamentos consumissem menos combustível e fossem mais eficientes na queima
da agora preciosa gasolina.
A
alternativa mais evidente era o motor Diesel de baixo consumo, mas era um motor
mais pesado, barulhento, funcionava em giros mais baixos e incomodava com sua
vibração.
Mas
a própria Mercedes já possuía em sua linha automóveis de passeio equipados com
motores Diesel, perfeitamente aceitáveis pelo mercado que comprava os Mercedes
como carros de refinamento diferenciado da concorrência, com toda a aura que a
marca da estrela de três pontas já havia construído.
Em
junho de 1976, a Mercedes-Benz ousou instalar no C111 um motor Diesel OM 617 LA
do sedan 240D, com 3 litros, cinco cilindros em linha e 80 hp (código W115),
mas equipado com um turbocompressor Garrett e intercooler, que desenvolvia 190
hp. O agora designado C111-IID alcançou velocidades espetaculares no circuito
de Nardo, próximo a Lecce, na Itália. Durante 60 horas, quatro pilotos
estabeleceram um total de 16 recordes mundiais, treze dos quais aplicados a
carros movidos por motores Diesel e três recordes para carros em geral,
independentemente do seu tipo de motor. Durante os testes, atingiu-se a média
de 252 km/h, e a Mercedes mostrou que os motores Diesel também têm qualidades
de corrida.
Segunda carreira como
um carro de recordes
Com
o sucesso obtido nestas medições com o C111-IID em Nardo, os engenheiros da
Mercedes ficaram estimulados a atingir novos patamares de desempenho. Desta
vez, não criaram um estudo de design para um carro esporte para as ruas, mas
passaram a focar seus esforços em criar um carro de corrida puro-sangue com o
propósito de estabelecer recordes de velocidade. Surgiu assim o C111-III.
O
novo carro foi construído em 1977, mais estreito do que o primeiro C111, maior
distância entre-eixos e aerodinâmica melhor estudada (coeficiente de .191), com
um redesenho do seu perfil e aerofólios na traseira.
O
C111-III, agora pintado com a tradicional cor prateada dos carros de corrida
alemães, roncou seu motor novamente na pista de Nardo. Ajustado para produzir
230 hp a 4.500 rpm, este motor levou o novo Silver Arrow a uma velocidade
máxima de 322 km/h. A média de consumo atingiu 14,7 mpg a 316 km/h (195,4 mph),
num período de 12 horas na pista. Com este carro, a Mercedes-Benz estabeleceu
nove recordes mundiais absolutos no final dos anos 1970.
O
C111 ainda estava para dar mais um passo em sua carreira evolutiva para se
tornar uma máquina de corrida de verdade. O modelo C111-IV em 5 de maio de 1979,
quebrou o recorde da pista de Nardo, atingindo 403,978 km/h (250,958 mph).
Desta vez, não era mais um motor Diesel a empurrar o carro, mas um motor a
gasolina V8 de 4,5 litros ampliado para 4,8 litros; dois turbo-compressores KKK
com cerca de 500 hp debaixo do capô. Os estudos aerodinâmicos também
transformaram seu aspecto, deixando-o como um foguete alongado e estreito, com
dois aerofólios e spoilers para mantê-lo no chão nestas velocidades.
O
programa foi então encerrado, e a Mercedes-Benz retomou um novo projeto de
pesquisas similar com o C112, a partir de 1991.
EM ESCALA
Diversos fabricantes de miniaturas produziram modelos do C111, em várias escalas. Guiloy, Minichamps, Solido, Matchbox, HotWheels, Schuco, Corgi e outras em forma de Kits de fabricantes consagrados no mercado. O nível de detalhamento varia conforme os padrões destes fabricantes, de modo geral, as escalas maiores trazem um acabamento mais elaborado, mas alguns exemplares em 1:43 trazem abertura de portas e capô, e conseqüentemente, com maiores detalhes do interior e motor; sendo por isso mais valorizadas entre os colecionadores.
A
foto do modelo é da Guiloy, na escala 1:18, e reproduz os detalhes do design
futurista de 1969, e a cor laranja brilhante é bem fiel ao original.
REFERÊNCIAS:
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