terça-feira, 2 de maio de 2017

MERCEDES C111 – 1969

Potência, elegância e velocidade num estudo futurista, unindo a engenharia e design numa cunha compacta em laranja brilhante, chamada internamente de “Weissherbst”. Assim foi apresentado o Mercedes C111 no Frankfurt International Motor Show (IAA), em setembro de 1969.
O carro era uma inovação em termos de engenharia e design, e polarizou as atenções dos visitantes, que se aglomeravam ao seu redor. As portas no estilo Gullwing (asa-de-gaivota) remetiam ao clássico 300 SL de 1955, e não poucas pessoas se perguntavam se a Mercedes planejava um digno sucessor do 300 SL para os admiradores dos requintados carros com a estrela de três pontas no capô.
Na primavera de 1970, um C111 com seu design cativante, e detalhes mais refinados fez sua aparição no Salão do Automóvel de Genebra, levando vários interessados a enviar cheques em branco para Stuttgart, para garantir um deles na sua garagem.
No entanto, a Mercedes não tinha planos para produção em série do C111, mas também não iria desenvolver um projeto somente para exibição em Showrooms. O carro podia ser visto como uma evolução dos antigos SL (Sport Light) da década de 1950, mas não era um protótipo para um novo SL dos anos 1970: o C111 era um veículo experimental; uma máquina de laboratório destinada, entre outras coisas, para testar novos materiais e tecnologias automotivas, visando a sua aplicabilidade nos modelos de linha. A carroceria era em material plástico, reforçada com fibra de vidro, acoplada a um chassi em aço; e o motor era um Wankel, de pistões rotativos, criado pelo engenheiro Felix Wankel.

O carisma das portas Gullwing
O design do C111 que mais chamou atenção do público forma as portas com a abertura por cima, conhecidas como “Gullwing”, ou “asa-de-gaivota”. Este sistema apareceu no design do Mercedes-Benz 300 SL (W 194) que começou a participar de corridas em 1952; e se tornou uma marca registrada deste modelo quando o carro derivado para as ruas (W 198/I) foi colocado à venda. Entre 1954 e 1957, 1400 unidades foram fabricadas. Décadas depois, a Mercedes aplicou a mesma solução nos C112 apresentado no IAA em 1991 e nos modernos SLS de 2010.
Em novembro de 1969, Ron Wakefield, escrevendo na revista “Road & Track”, comparou diretamente o C111 com os carros esportivos italianos. “Durante a minha primeira volta, fiquei imediatamente impressionado com a suavidade da unidade de potência no interior do carro. Ele era muito mais suave do que um 12 cilindros do Lamborghini Miura, embora não tão grave com um Ford V8 do De Tomaso Mangusta. Quando o motor subia de rotação, parecia um motor de motocicleta, mas tracionando tão suavemente que parecia muito cedo para atingir as 7000 rpm”.
Em abril de 1970, o piloto e jornalista Paul Frère escreveu na revista “Motor” sobre sua experiência em dirigir o C111: “Este carro provê uma inigualável combinação de conforto e maneabilidade, a última e definitiva palavra num carro de corrida desta classe”.
No final de 1969, a “Auto Motor & Sport” escreveu: “O funcionamento silencioso do motor Wankel e a ausência quase total de ruído aerodinâmico nos faz errar na avaliação da velocidade real. Quando você pensa que está fazendo 150 ou 160 km/h, um olhar no velocímetro lhe diz que você está de fato a uns 240 km/h. Aliás, 7000 rpm em quarta marcha correspondem a 226 km/h”.

O motor Wankel
Motor Wankel: Compacto e muito potente.
O homem que inventou o motor com pistões rotativos foi Felix Wankel, um brilhante alemão, autodidata nascido em 1902. Perdeu seu pai na I Grande Guerra, não podendo ir para a universidade, mas era um engenheiro naturalmente talentoso, que aprendeu seu ofício ao trabalhar em lojas de ferramentas, enquanto andava com o pessoal da Juventude Hitlerista. Ele concebeu este motor em 1924 — e antes de morrer, em 1988 – Wankel iria vê-lo aplicado em carros, motosserras e até aviões.
As inclinações políticas de Wankel o levaram a crescer dentro do Partido Nacional-Socialista, mas a ascensão de Hitler ao poder em 1933 interrompeu seu envolvimento com o partido, e ele passou a projetar componentes de motor para os militares durante a Segunda Guerra Mundial. No início dos anos 1950, Wankel começou a desenvolver as primeiras versões do seu motor rotativo para pequenas empresas de engenharia numa Alemanha que tentava se reconstruir.
O motor Wankel usava um rotor triangular girando num eixo epicicloidal, numa câmara de combustão em formato de um “8”. Como ele se movimentava sempre no mesmo sentido, a vibração era mínima — quando comparado com o movimento alternado dos pistões indo e vindo a cada rotação do virabrequim. O Wankel tinha menos peças, era mais suave e mais compacto, com um potencial de potência específica bem maior em relação aos motores de pistões do seu tempo.
Wankel obteve a patente do seu projeto em 1929 denominado pelo código DKM 54 (sigla de Drehkolbenmotor); começou o seu desenvolvimento no início dos anos 1950 na NSU e completou seu protótipo em 1957. O segundo motor, conhecido pelo código KKM 57P (sigla de Kreiskolbenmotor), foi desenvolvido por Hanns Dieter Paschke sem o conhecimento de Wankel, aperfeiçoando o conceito em alguns detalhes. Ao tomar conhecimento do concorrente, Wankel teria dito: “Você transformou meu cavalo de corrida em uma égua de arado”. A partir daí, a NSU (para quem os dois trabalhavam) licenciou diversas companhias para fabricá-lo e é este motor que equipa todos os veículos fabricados desde então com este tipo de propulsor.
NSU Ro80 e o Mazda Cosmo
Nos anos 1960, muitos fabricantes estavam interessados no sistema de propulsão criado por Felix Wankel. A NSU (mais tarde incorporada ao Grupo Audi) colocara no mercado em 1964 o Spider no Salão de Frankfurt. Com um motor de apenas um rotor e 498 cc, rendia 64 cv a 5000 rpm e tinha um torque de 7,5 mkgf a 3000 rpm. O pequeno conversível tinha o motor na traseira, câmbio de quatro marchas e 685 kg de peso, proporcionando um desempenho honesto. Em 1967, a NSU lançou o seu modelo Ro80 (produzido até 1977), um pequeno sedã equipado com um motor Wankel com dois rotores e 995 cc, que gerava 115 hp. Acelerava de 0 a 100 km/h em 12,5 segundos e atingia a máxima de 180 km/h. Em 1967, a Mazda lançou o Cosmo 110S no Tokyo Motor Show, equipado com um motor de dois rotores e 982 cc de deslocamento, que produzia 110 hp.
Mazda RX-7  1981 e 1991
A Mazda foi talvez a única companhia a desenvolver efetivamente o motor Wankel aplicando-o no Eunos Cosmo de 1991 com três rotores e turbo; e no RX-7 a partir de 2002 e depois no RX-8, que gerava 238 hp num motor de apenas 1.300 cc. 
Digno de nota é que ela é a única fabricante fora da Europa e Estados Unidos a vencer nas 24 Horas de Le Mans, em 1991, com o Mazda 787B. Esse carro era equipado com um Wankel de quatro rotores (2.622 cc equivalente a 4.708 cc na conversão de medidas) e produzia 700 hp a 9000 rpm, levando a vitória depois de 362 voltas.
Devido aos problemas de controle de emissões Euro 5, a Mazda abandonou o uso do motor Wankel em 2012.

O Laboratório C111
A Mercedes-Benz também havia feito alguns testes, através da Série KC, desde 1962, no entanto, necessitava ainda de muitos quilômetros rodados antes de equipar um carro de produção normal.
Começando o trabalho por volta de 1967, o C111 foi concebido para ser puramente um laboratório de testes de novas tecnologias, um veículo experimental. Com o design de Bruno Sacco, um futurístico estilo de um verdadeiro Dream Car, a carroçaria de plástico reforçado com fibra-de-vidro, pintada de um laranja brilhante, embalava o motor Wankel de três rotores e prometia uma performance à altura da expectativa que as linhas agressivas prometiam.
C111 com três rotores
O desempenho do C111, equipado com um motor Wankel (código M950F) de três rotores, foi convincente desde o início. Com uma capacidade de 600 cc em cada câmara de combustão, desenvolvia 280 cv, levando o carro a 260 km/h de velocidade máxima. Fazia de 0-100 km/h em cinco segundos.
O C111-II de 1970, já tinha um motor Wankel com quatro rotores (DB M950 KE409), que desenvolvia 350 cv, e levava o carro a 300 km/h. A aceleração de 0-100 km/h atingiu 4,8 segundos. O motor do C111-I foi montado com dupla ignição, mas como gerou alguns problemas, no C111-II de quatro rotores, voltou a ter apenas uma vela de ignição. Ambos tinham injeção direta de combustível. Esta versão tinha as suspensões revisadas, de modo a acomodar os largos pneus e alguns detalhes da carroçaria melhorados em aerodinâmica.
O departamento de desenvolvimento da Mercedes-Benz conseguiu resolver alguns problemas de engenharia inerentes ao projeto do Motor Wankel; mas a notória dificuldade de perfeita selagem das câmaras de combustão, o formato alongado das mesmas e a variação da queima de combustível no interior do rotor, para que ele continue seu movimento giratório, prejudicaram o consumo, pois a termodinâmica em relação ao motor de êmbolos alternativos o tornava menos eficiente. Além disso, o teor de poluentes nos gases de escape eram também muito mais altos do que os motores convencionais.
As vantagens do motor Wankel eram um funcionamento extremamente suave e o tamanho muito mais compacto em relação a um motor de cilindrada equivalente. Isto não foi suficiente para que a Mercedes-Benz prosseguisse com o projeto do motor Wankel para o C111, e ele foi descontinuado em 1971.
Fazendo um retrospecto, o Dr. Kurt Obländer, líder do setor de motores do projeto C111, descreveu o motor Wankel da seguinte forma:
─ “O nosso motor de quatro rotores com injeção direta de gasolina representou o ideal do que poderia ser alcançado com este conceito de motorização. O design multi-rotor é chamado assim devido às entradas periféricas para os dutos de admissão da mistura ar-gasolina e dos gases de escape. Fomos capazes de resolver os difíceis problemas na refrigeração da unidade motriz com a tecnologia. Mas o principal problema do conceito; a baixa eficiência termodinâmica permaneceu. Devido às câmaras de combustão alongadas, não exatamente compactas, a economia de combustível era pobre, resultando em alto consumo e emissões de poluentes inaceitavelmente elevados. Estas desvantagens eram inerentes, em princípio, à concepção do projeto. ”

Ensaios com o motor Diesel
No outono de 1973, um boicote dos países produtores de petróleo provocou a chamada “crise do petróleo”, e o óleo bruto, até então uma mercadoria barata, tornou-se um recurso precioso. Todos os departamentos de engenharia das montadoras passaram a trabalhar febrilmente em novos motores e tecnologias para que os equipamentos consumissem menos combustível e fossem mais eficientes na queima da agora preciosa gasolina.
A alternativa mais evidente era o motor Diesel de baixo consumo, mas era um motor mais pesado, barulhento, funcionava em giros mais baixos e incomodava com sua vibração.
Mas a própria Mercedes já possuía em sua linha automóveis de passeio equipados com motores Diesel, perfeitamente aceitáveis pelo mercado que comprava os Mercedes como carros de refinamento diferenciado da concorrência, com toda a aura que a marca da estrela de três pontas já havia construído.
Em junho de 1976, a Mercedes-Benz ousou instalar no C111 um motor Diesel OM 617 LA do sedan 240D, com 3 litros, cinco cilindros em linha e 80 hp (código W115), mas equipado com um turbocompressor Garrett e intercooler, que desenvolvia 190 hp. O agora designado C111-IID alcançou velocidades espetaculares no circuito de Nardo, próximo a Lecce, na Itália. Durante 60 horas, quatro pilotos estabeleceram um total de 16 recordes mundiais, treze dos quais aplicados a carros movidos por motores Diesel e três recordes para carros em geral, independentemente do seu tipo de motor. Durante os testes, atingiu-se a média de 252 km/h, e a Mercedes mostrou que os motores Diesel também têm qualidades de corrida.

Segunda carreira como um carro de recordes
Com o sucesso obtido nestas medições com o C111-IID em Nardo, os engenheiros da Mercedes ficaram estimulados a atingir novos patamares de desempenho. Desta vez, não criaram um estudo de design para um carro esporte para as ruas, mas passaram a focar seus esforços em criar um carro de corrida puro-sangue com o propósito de estabelecer recordes de velocidade. Surgiu assim o C111-III.
O novo carro foi construído em 1977, mais estreito do que o primeiro C111, maior distância entre-eixos e aerodinâmica melhor estudada (coeficiente de .191), com um redesenho do seu perfil e aerofólios na traseira.
O C111-III, agora pintado com a tradicional cor prateada dos carros de corrida alemães, roncou seu motor novamente na pista de Nardo. Ajustado para produzir 230 hp a 4.500 rpm, este motor levou o novo Silver Arrow a uma velocidade máxima de 322 km/h. A média de consumo atingiu 14,7 mpg a 316 km/h (195,4 mph), num período de 12 horas na pista. Com este carro, a Mercedes-Benz estabeleceu nove recordes mundiais absolutos no final dos anos 1970.
O C111 ainda estava para dar mais um passo em sua carreira evolutiva para se tornar uma máquina de corrida de verdade. O modelo C111-IV em 5 de maio de 1979, quebrou o recorde da pista de Nardo, atingindo 403,978 km/h (250,958 mph). Desta vez, não era mais um motor Diesel a empurrar o carro, mas um motor a gasolina V8 de 4,5 litros ampliado para 4,8 litros; dois turbo-compressores KKK com cerca de 500 hp debaixo do capô. Os estudos aerodinâmicos também transformaram seu aspecto, deixando-o como um foguete alongado e estreito, com dois aerofólios e spoilers para mantê-lo no chão nestas velocidades.
O programa foi então encerrado, e a Mercedes-Benz retomou um novo projeto de pesquisas similar com o C112, a partir de 1991.

EM ESCALA

Diversos fabricantes de miniaturas produziram modelos do C111, em várias escalas. Guiloy, Minichamps, Solido, Matchbox, HotWheels, Schuco, Corgi e outras em forma de Kits de fabricantes consagrados no mercado. O nível de detalhamento varia conforme os padrões destes fabricantes, de modo geral, as escalas maiores trazem um acabamento mais elaborado, mas alguns exemplares em 1:43 trazem abertura de portas e capô, e conseqüentemente, com maiores detalhes do interior e motor; sendo por isso mais valorizadas entre os colecionadores.
A foto do modelo é da Guiloy, na escala 1:18, e reproduz os detalhes do design futurista de 1969, e a cor laranja brilhante é bem fiel ao original.


REFERÊNCIAS:




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