Porsche 356 SL chassi #063 |
Uma reunião entre Ferry Porsche, o importador da
Porsche na França Auguste Veuillet e Charles Faroux, o organizador das 24 Horas
de Le Mans aconteceu no Geneva Motor Show de 1950; e ali foi acertado que a
Porsche entraria com dois carros na corrida de 1951. Era a terceira vez que a
corrida era realizada desde o fim da II Guerra, e a primeira em que um
fabricante alemão iria participar dela após o conflito.
Assim, um informal “Motorsports Department” começou a trabalhar em três carros para participar das 24 Horas de Le Mans, em 1951. Claro que a opção pelos Gmünd Coupés era óbvia, pois o alumínio era muito mais leve do que as carroçarias de aço; além do que a estrutura da cabine era mais estreita, ficando em vantagem aerodinâmica frente aos 356 feitos em Stuttgart.
Equipados com o boxer de quatro cilindros que
desenvolvia 46 cv, o carro chegava aos 160 km/h de velocidade máxima. A
filosofia “leve, mas ágil” virou uma marca registrada da Porsche, e a
designação SL justificava o “Super Leicht” (Super Leve) depois do número
356.
Os carros tiveram seu peso aliviado, eliminando forrações (apenas o carpete do piso foi mantido), sistema de aquecimento, o vidro das janelas traseiras foi trocado por uma chapa com persianas, e as caixas das rodas foram cobertas com uma carenagem aerodinâmica; e os freios hidráulicos substituíram o sistema de freio a tambor acionado por cabos. Apenas as portas eram feitas de aço, assim como o chassi.
O 356 SL na pista
A tampa do motor teve suas dobradiças internas e conjuntos de molas removidos pois interferiam quando colocaram carburadores maiores. Foram afixadas dobradiças externas e uma trava na parte inferior do capô, que adicionalmente ganhou dois grandes buracos para exaustão do ar quente do compartimento do motor. Do mesmo modo, as molas que mantinham o capô dianteiro aberto foram eliminadas, e ele era preso por duas tiras de couro na extremidade dianteira.
Outras modificações eram uma bobina adicional para o
motor, uma bomba elétrica de combustível no painel ao lado do piloto, volante
do motor aliviado, amortecedores telescópicos de dupla ação Hemscheidt
na suspensão dianteira. Foi instalada também uma pequena tomada de ar que
direcionava o fluxo de ar fresco para os
tambores de freio dianteiro.
Os três carros tinham os registros de seus chassis 356/2-054, 356/2-055 e 356/2-063, mas alguns contratempos ocorreram. O chassi #054 foi seriamente danificado num acidente em abril de 1951, e foi levado para a fábrica para ser reparado para a corrida, mas não ficou pronto. Então, o chassi #063 também foi acidentado, a ponto de não ser possível seu reparo em tempo para a corrida. Apesar do relato não ser confirmado oficialmente, conta-se que pegaram um novo chassi #056 e o remarcaram como #063, pois não havia mais tempo para preparar a inscrição para um novo carro.
Dois carros foram inscritos e alinharam no dia 23 de junho, nas 24 Horas de Le Mans de 1951 ̶ o chassi #063 recebeu o número 46 e o #055 ficou com o número 47 ̶ sendo que o 47 acabou abandonando a corrida com Rudolf Sauerwein sofrendo graves ferimentos nas pernas com um choque e capotagem devido à chuva nos treinos. O Jaguar de Moss e o Aston Martin de Morris-Goodall vinham logo atrás, e por pouco não foram envolvidos no acidente. O número 46, pilotado por Auguste Veuillet e Edmond Mouche, chegou em 19º lugar na geral e primeiro em sua classe de 1.100 cc, dando à Porsche sua primeira vitória em sua primeira participação em Le Mans. Sua melhor volta foi a 158ª, em 05m44,7 com média de 141 km/h. Cobrindo uma distância total, depois de 24 horas, de 2.840,65 km numa velocidade média de 118,36 km/h, marcou a primeira vitória de um carro Porsche numa das mais famosas competições do mundo. Até hoje, a Porsche é o fabricante com mais vitórias nas 24 Horas de Le Mans.
Vale citar que a Porsche venceu as 24 horas de Le Mans nas seis edições seguintes, provando que o conceito de Ferry Porsche “Leve, mas ágil” funcionava perfeitamente. E Veuillet e Moche repetiram a dose no ano de 1952, com outro 356 SL, vencendo na classe 750-1100 cc, chegando em 11º lugar na geral; percorreram 2.955,41 km em 24 horas, na velocidade média de 123,14 km/h.
O #046 ainda participou da Liège-Roma-Liège, e as
lanternas de pisca foram deslocados para as extremidades do para lamas, para
dar mais espaço para os faróis auxiliares e uma buzina mais forte. Ele terminou
essa corrida em décimo lugar; e após isso, ele conseguiu três recordes
internacionais na pista de Montlhéry (França). Um deles registrou o recorde mundial
de 72 horas ininterruptas, correndo à velocidade média de 94,66 km/h, calçado
com os novos pneus esportivos S da Metzeler.
O 356 #063 correndo com von Neumann,
pintado de vermelho
Ao final do ano, a Porsche enviou os três 356 SL para o
seu distribuidor americano, Max Hoffman; o #054 e #055, que haviam sido reparados,
e o #063 vencedor da corrida. Hoffman os vendeu para Fritz Kosler, Ed Trego e
Jack Rutherford respectivamente. Nesta época, nos EUA os registros dos carros
não eram tão fidedignos, e o VIN (Vehicle Identification Number) do carro 46
não é totalmente rastreável. O #063 acabou voltando às mãos de Hoffman, que
então o vendeu para John von Neumann.
Von Neuman era dono da Competition Motors, uma grande
concessionária Porsche da Costa Oeste, em Hollywood; e promoveu
significativamente a marca Porsche por meio das corridas em que participava.
Sua primeira corrida depois de adquirir o 356 SL foi em
Palm Springs em março de 1952, e no mês seguinte ele correu em Pebble Beach,
mas abandonou com problemas de freio. Na sua próxima corrida no Golden Gate
Park em San Francisco, o #063 havia sido pintado em vermelho, mas ele abandonou
novamente devido a problemas de freio. A primeira vitória de Von Neumann veio
em Torrey Pines em julho de 1952, o que deu à Porsche sua primeira vitória em
solo americano.
Ainda neste ano, Neumann contratou Emil Diedt, um
talentoso metalúrgico do sul da California, e removeu o teto do 356 coupé para
melhorar a aerodinâmica do carro e reduzir ainda mais o seu peso. Eram dias em
que valia tudo para modificar um carro e conseguir deixá-lo mais competitivo.
Diedt justificou sua habilidade e transformou o #063 num roadster, ganhando 50
kg em peso e reduzindo significativamente a área frontal. Ele julgou que o
superaquecimento dos freios era devido às coberturas das caixas de roda, então
ele as removeu também.
Mais tarde, von Neumann vendeu o carro para Bill
Whittington (vencedor das 24 Horas de Le Mans em 1979 com um Porsche 935-K3)
que o pintou de azul-acinzentado. O carro passou pelas mãos de RickO 356 #063 com a capota cortada
Gale, Ernie
Spitzer, Dick Cotrell – e finalmente Chuck Forge, um engenheiro elétrico da
Califórnia, que comprou o carro #063 em 1957 e o repintou de vermelho, como nos
anos em que von Neumann correu com ele, reinstalando as coberturas nas caixas
das rodas. Forge continuou a competir com ele, nos anos seguintes e depois de
aposentá-lo das competições oficiais, trocou o motor por um de VW, executou uma
restauração nele em 1981, e corria com ele nas corridas históricas (o roll-bar
foi necessário para isto), participava de diversos eventos de carros clássicos
e o Continental Sports Car Club Tour. Forge também o utilizava no dia a dia;
ele manteve o 356 #063 por cinquenta e dois anos, até a sua morte em 2009.
O 356 #063 agora com Cameron Healy
Cameron Healy era um colecionador que havia visto o 356 no
Monterey Motorsports Reunion, e quando Forge faleceu, seu sonho se tornou
realidade. A família o vendeu ainda em sua cor vermelha, e Cameron decidiu
fazer uma restauração nele, visto que era evidente que o carro havia sofrido
diversas mudanças em sua longa vida. Levou o carro para Rod Emory, da Emory
Motorsports, conhecido restaurador de Porsche em Hollywood.
Ao examiná-lo, Emory começou a notar certas inconsistências, levando Cameron a investigar os arquivos em Zuffenhausen. Diversas alterações nos painéis da carroçaria, evidências de que os piscas foram realocados, e uma calota amassada igual ao do carro que venceu em Le Mans foram detalhes que apoiaram a documentação do modelo. Mais de dois anos de pesquisas foram empenhados nesta “arqueologia automotiva” e afinal ficou confirmado que ele era realmente o carro que conquistou a primeira vitória da Porsche em competições internacionais. Não poderia haver outra decisão que não fosse restaurar o modelo às exatas especificações e o estado que tinha quando ele competiu no circuito de La Sarthe, em 1951.
Rod procurou localizar os outros dois exemplares que foram importados por Max Hoffman; um deles estava no México, o outro na Collier Collection, na Florida. Rod mediu os carros com um laser, e de volta à sua oficina, foi possível criar um molde de madeira do teto e construir um novo, utilizando a mesma técnica dos anos 40, em chapa de alumínio batidas à mão. O briefing que recebeu de Cameron Healy era deixar o carro em um estado mais autêntico possível. Isso significava que detalhes, tais como um pequeno amassado no para lama traseiro, deixado por um mecânico muito entusiasmado ao trocar uma roda durante as 24 Horas de Le Mans fosse preservado para a história do modelo. Foi feito um baú de madeira, fixado no lugar dos bancos traseiros, com ferramentas que o piloto poderia utilizar num eventual reparo na pista durante a corrida (Não podemos esquecer que o circuito tinha mais de 13 km de extensão em uma volta). Um limpador de para brisa reserva foi afixado no teto, acima do piloto, para o caso de substituir em caso de quebra.
O 356 #063 em Peeble Beach, 2016
Foi um grande desafio para Rod Emory, mas que o deixou
orgulhoso de poder realizar a recuperação de um carro tão importante não só na
história da Porsche, mas da história do automóvel e das corridas. Este trabalho
projetou ainda mais Rod Emory, com diversas participações em programas como Jay
Leno’s Garage; e a Emory Motorsports, restaurando Porsches antigos e
construindo réplicas debaixo da marca Outlaw (não confundir com a grife de
roupas Urban Outlaw, de Magnus Walker, outro fanático por Porsche)
O 356 #063 no aniversário de 70 anos de sua vitória
nas 24 Horas de Le Mans em 1951.
O carro foi restaurado à sua condição original de cupê e
recebeu a decoração com que competiu nas 24 Horas de Le Mans. A Porsche
reconheceu a autenticidade do carro em 2015 e convidou Healy a exibir o modelo,
mesmo com o processo de restauração em andamento, no Rennsport Reunion de
Laguna Seca. Seguiu-se e exposição em Peeble Beach Concours d’Elegance de 2016;
e Healy acalenta o desejo de levá-lo ao seu lar espiritual, em Le Mans, onde
tudo começou.
O crédito das fotos do 356 SL #063 restaurado são de Drew Phillips Photography. A fotos históricas dos anos 1950 e 60, e das 24 horas de Le Mans de 1951 são de diversos sites, blogs e páginas da Web.
REFERÊNCIAS
https://www.porscheroadandrace.com/porsche-356-sl-at-le-mans/
https://en.wikipedia.org/wiki/1951_24_Hours_of_Le_Mans
Assista também estes vídeos, registrando todo o processo
de restauração deste histórico carro, e uma apresentação dele por Rod Emory no
Jay Leno’s Garage:
https://www.youtube.com/watch?v=AzMWgXgM3EM
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