A história pouco conhecida da reabertura de Nurburgring, quando um novato superou nove campeões mundiais da F-1
Adam Cooper, da “Stars & Cars” (reprodução da matéria publicada
na Folha de São Paulo, Seção Esporte, no domingo, dia 27 de fevereiro de 2000)
Acima, o primeiro duelo em uma pista de Senna com Prost, uma imagem que acabou se tornando o símbolo da F-1 nos anos seguintes |
Você já imaginou o que aconteceria de os melhores pilotos da F-1 atual enfrentassem os gigantes do passado em carros idênticos?
Parece um sonho impossível, mas foi exatamente
o que a Mercedes-Benz fez em Nurburgring, num sábado, 12 de maio de 1984.
Naquele dia, seis pilotos em atividade
desistiram de um final de semana de folga para correr contra uma turma que incluía
alguns dos maiores nomes da história do automobilismo. A lista de inscritos
incluía nada menos do que nove campeões mundiais, além de dois pilotos que
atingiram a glória e que iriam dominar a F-1 nos dez anos seguintes.
Esse evento inédito, até hoje não igualado,
foi organizado para celebrar a inauguração do novo traçado de Nurburgring e o
lançamento do Mercedes 190 2.3 16V.
O ponto alto do final de semana foi uma
corrida de 15 voltas com os novos carros. E os pilotos foram os primeiros a
experimentar o novo Nurburgring, um ultra moderno circuito de 4,5 km,
construído para levar o automobilismo de ponta novamente para a região, o que
não acontecia desde que o antigo traçado passou a ser considerado perigoso
demais.
A Mercedes estava determinada a formar a
melhor lista possível de pilotos inscritos. Entre os que estavam em atividade,
a empresa atraiu Niki Lauda e Alain Prost, da McLaren, Keke Rosberg e Jacques
Laffite, da Williams, Elio de Angelis, da Lotus, e um novato chamado Ayrton
Senna, da pequena Toleman. O jovem brasileiro, de 24 anos, era o único membro
do sexteto que ainda não havia vencido um GP na F-1.
O responsável pela inscrição do desconhecido
campeão da F-3 inglesa foi Domingos Piedade, atual chefe de equipe da AMG,
então um dos maiores entusiastas da carreira de Senna.
“Para ele, aquilo foi extremamente importante”,
recorda Piedade. “Era a abertura de Nurburgring, o que significava muito para o
Ayrton. E era a primeira vez que ele tinha um carro igual aos dos figurões. Era
importante para ele mostrar do que era capaz.”
Lauda e Rosberg já eram campeões mundiais (em
75 e 77 e em 82, respectivamente), mas representavam apenas a ponta do iceberg.
Juntaram-se a eles Jack Brabham (59, 60 e 66), Phil
Hill (61), John Surtees (64), Dennis Hulme (67), James Hunt (76), Jody Scheckter
(79) e Alan Jones (80).
O pentacampeão Juan Manuel Fangio também
apareceu para apoiar o evento, mas, sofrendo com problemas de saúde, preferiu
não participar da corrida.
Os únicos campeões mundiais vivos que faltaram
foram Mario Andretti e Emerson Fittipaldi, que estavam nos EUA, participando
dos treinos para as 500 Milhas de Indianápolis, e Jackie Stewart, que sempre se
manteve fiel à sua aposentadoria e, desde 1973, não corre nem de kart.
Além dos campeões, havia outras estrelas da
F-1. Dos ex-integrantes da equipe Mercedes-Benz Stirling Moss e Han Herrmann
aos recém-aposentados Carlos Reutemann e John Watson.
O grid foi completado por três astros da
categoria esporte-protótipo: Klaus Ludwig, Manfred Schurti e Udo Schuetz.
“Adorei aquele evento”, diz Alain Prost. “Foi
fantástico encontrar todos aqueles pilotos. Nos divertimos muito, mas, mesmo
com o reencontro de tanta gente, era inacreditável ver o espírito de competição
que havia no ar. Todos, mesmo os mais velhos, levaram muito a sério.”
O engenheiro da Mercedes responsável pelos
carros lembra como alguns pilotos se interessaram em detalhes de acerto. Reutemann
chegai a exigir um jogo de pneus novos em seu carro antes do treino classificatório.
Nem todos, porém, levaram a corrida com tanta
seriedade.
“Tratei aquilo da maneira como deveria ser
tratado, como uma diversão” diz John Watson. “E havia uma mistura de pilotos de
gerações e idades diferentes. Velhos amigos, velhos adversários ou as duas
coisas. Queria em sair bem, mas não precisava provar nada.”
Mas, para Senna, o fim de semana era uma oportunidade
para deixar marcas. Saindo da F-3, ele havia corrido apenas quatro GPs na F1
pela Toleman antes de ir para Nurburgring.
Já havia obtido dois sextos lugares, mas seu
nome ainda não era conhecido. Nem pelos outros iniciantes que disputavam
posições com ele nem pelo homem que então liderava o Mundial de F-1.
“Foi a primeira vez que encontrei o Ayrton”,
afirma Prost. “Como nossos vôos chegaram com uma diferença de 15 minutos, a
Mercedes me perguntou se eu poderia lhe dar uma carona. Passamos metade do dia
juntos. Ele não conhecia absolutamente ninguém, o que era engraçado.”
Phil Hill era um dos veteranos que não tinha a
mínima ideia sobre quem era aquele brasileiro.
“Eu e minha mulher nos sentamos em uma pequena
sala e tentamos puxar assunto com ele. Estávamos congelando de frio, e havia
apenas um pequeno aquecedor elétrico. Ele só ficou parado, me olhando, e eu
pensava ‘O que ele quer dizer?’ Então eu desisti, pensando que ele era apenas
mais um novato. Pouco tempo depois, ele já teria gravado o nome da F-1.”
O grid de largada estava repleto de estrelas como
Hill, mas quando a corrida começou, com o céu cinzento, todos os olhares se
voltaram para um só homem, justamente o mais jovem na pista.
Senna alcançou a liderança logo na largada.
Sem errar. O brasileiro seguiu firme até a vitória.
Watson foi um dos pilotos que se
impressionaram.
“Para Ayrton, em primeiro lugar, ter sido
convidado para a corrida era sinal de aceitação no grupo. Era também um ritual
de passagem para ele. Ayrton certamente foi para lá com uma missão a cumprir”,
diz o vice-campeão de 82. “Algo que ficou claro na minha memória era o modo
inacreditável como ele ia para cima das zebras. Minha geração de pilotos não
atacava as zebras dom tanta agressividade. Não era por menos que ele era tão rápido.”
Watson, pelo menos, já havia falado com o brasileiro.
Mas, para muitos de seus colegas, Ayrton Senna foi uma revelação.
“Foi a primeira vez que ouvi falar de Senna”,
diz Stirling Moss. “Surpreendeu-me ver um total desconhecido vencer aquela
prova. Acho que foi, até então, a corrida mais importante de que ele já havia
participado, porque era algo de muito alto nível.”
“O mais impressionante foi a maneira como ele
veio”, afirma Surtees. “Tinha um monte de gente que estava na pista se
exibindo, passando pela grama, e havia Senna, dirigindo corretamente, mantendo-se
na pista e ultrapassando um por um. Após aquele evento, disse para o velho
(Enzo Ferrari): ‘Se você quer um piloto, ele é quem você deveria pegar’.”
Na pista, enquanto Senna ganhava vantagem,
acontecia todo tipo de confusão.
“Ayrton fez um trabalho muito profissional”,
diz Surtees. “Mas ele foi ajudado pelo fato de que um ou dois pilotos fizeram
manobras ridículas e atrapalharam todo o resto. James Hunt foi o rei de cortar
caminho pela grama. Acho que poucos carros puderam ser aproveitados depois
daquilo.”
Quinze anos depois da corrida, Prost, que foi
ultrapassado por Elio de Angelis na primeira volta, pensa naquele final de
semana e sorri. “Acho que deveríamos fazer aquilo de novo. Os carros eram muito
bons, mas não era essa a questão. O importante era que se tratava de uma competição.”
Niki Lauda foi o segundo, seguido por Carlos
Reutemann, Rosberg e Watson. Mas Senna deixou sua marca. E sabia disso.
“Eu estava nos Mil Quilômetros de Silverstone”,
conta Piedade. “E no dia seguinte, Senna apareceu para assistir e me agradeceu
a chance de ter podido correr contra tantos pilotos famosos. Ele ficou muito orgulhoso
do fato de seu carro ter sido levado para o museu da Mercedes.”
Três semanas depois, sob muita chuva, Senna
foi o segundo colocado no GP de Mônaco.
Ele se aproximava do líder, Prost, quando a
corrida foi prematuramente encerrada.
E foi naquele dia que o resto do mundo passou
a conhecer o jovem brasileiro.
Os pilotos reunidos em uma sala do autódromo de Nurburgring antes da largada a prova |
O novato brasileiro na liderança |
Vestindo o macacão da Toleman, Senna, então com 24 anos, ergue o troféu da vitória |
Alain Prost, antes da largada |
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BOX: Piloto deu show na F-1 logo depois.
Da Reportagem local
Apesar do show em Nurburgring, a corrida que
entrou para a história como a primeira grande demonstração de talento de Ayrton
Senna aconteceu três semanas depois, em Mônaco.
O motivo: ao contrário da prova na Alemanha,
essa foi transmitida ao vivo, para todo o mundo, via satélite.
Foi, também, seu primeiro duelo na F-1 com
Alain Prost. E o francês, então na McLaren, levou a melhor.
A corrida começou sob chuva forte. Prost
largou da pole e manteve o posto.
Senna, 13º no grid, completou a primeira volta
em nono. E Stefan Bellof, um alemão, também estreante, com um Tyrrel, saltou do
20º para o 11º lugar.
Na 18ª volta, Senna já era o segundo, seguido
por Bellof. Prost cedia terreno. O brasileiro passou a se aproximar e, na 31ª
volta, estava a apenas 7 segundos do líder.
Naquele momento, uma decisão jogou um balde de
água fria nos dois novatos.
Jackie Ickx, diretor da prova, encerrou o GP.
Alegou falta de condições, devido à forte chuva. “Certamente teia ultrapassado
Prost”, disse Senna. “Mas, depois, não sei o que poderia acontecer. Eu estava
no limite.”
Senna e Prost dominariam a F-1 nos dez anos
seguintes. Bellof morreu num acidente com um protótipo, em Spa, um ano depois.
(FSx)
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O jornalista inglês Adam Cooper escreveu sobre a reinauguração de Nurburgring originalmente para a revista “Stars & Cars”, editada pela Mercedes-Benz. Curiosamente, no texto, ignorou outro brasileiro, Nelson Piquet, que havia sido campeão de 1983, ano anterior à corrida na Alemanha.
Tradução de Fabio Seixas, da Reportagem Local.
Link para o video integral da prova da Alemanha:
Relembrando Senna: em 1984, um novato, o Mercedes e Nürburgring | voando baixo | ge (globo.com)
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